terça-feira, 8 de outubro de 2013

Estudo falso é aceito para publicação em mais de 150 revistas


Imagine só o seguinte experimento: Você escreve um trabalho científico falso, baseado em dados falsos, obtidos de experimentos sem validade científica, assinado com nomes falsos de pesquisadores que não existem, associados a universidades que também não existem, e envia esse trabalho para centenas de revistas científicas do tipo “open access” (que disponibilizam seu conteúdo gratuitamente na internet) para publicação. O que você acha que aconteceria? 

Pois bem, um biólogo-jornalista norte-americano chamado John Bohannon fez exatamente isso e os resultados, publicados hoje pela revista Science , são aterradores (para aqueles que se preocupam com a credibilidade da ciência): ele escreveu um trabalho falso sobre as propriedades supostamente anticancerígenas de uma molécula supostamente extraída de um líquen e enviou esse trabalho para 304 revistas científicas de acesso aberto ao redor do mundo. Não só o trabalho era totalmente fabricado e obviamente incorreto (com falhas metodológicas e experimentais que, segundo Bohannon, deveriam ser óbvias para “qualquer revisor com formação escolar em química e capacidade de entender uma planilha básica de dados”), mas o nome dos autores e das instituições que o assinavam eram todos fictícios. Apesar disso (pasmem!), mais da metade das revistas procuradas (157) aceitou o trabalho para publicação. Um escândalo. 

O que isso quer dizer? Quer dizer que tem muita revista “científica” por aí que não é “científica” coisíssima nenhuma. E que o fato de um estudo ter sido publicado não significa que ele esteja correto (pior, não significa nem mesmo que ele seja verdadeiro para começo de conversa). A ciência, assim como qualquer outra atividade humana, infelizmente não está isenta de falcatruas. 

E o que isso não quer dizer? Não quer dizer que o sistema de open access seja intrinsecamente falho ou inválido. Certamente há revistas de acesso livre de ótima qualidade, como as do grupo PLoS , assim como há revistas pagas de baixa qualidade que publicam qualquer porcaria. Nenhum sistema é perfeito. Até mesmo a Science publica umas lorotas de vez em quando, assim como a Nature e outras revistas de alto impacto, que empregam os critérios mais rígidos de seleção e revisão. Além disso, o fato de uma revista ser gratuita não significa que ela não tenha revisão por pares (peer review) e outros filtros de qualidade. Assim, o que deve ser questionado não é a forma de disponibilizar a informação, mas a forma como ela é selecionada e apurada — em outras palavras, a qualidade e a confiabilidade da informação, não o seu preço. 

O relato de Bohannon acaba de ser publicado no site da Science, dentro de um pacote de artigos intitulado Comunicação na Ciência: Pressões e Predadores . 

Nessa mesma temática, a revista Nature publicou recentemente também uma reportagem sobre o escândalo envolvendo quatro revistas científicas brasileiras que foram acusadas de praticar citações cruzadas — ou “empilhamento de citações”, em inglês –, esquema pelo qual uma revista cita a outra propositadamente diversas vezes, como forma de aumentar seu fator de impacto (e, consequentemente, o prestígio dos pesquisadores que nelas publicam). As revistas são Clinics , Revista da Associação Médica Brasileira , Jornal Brasileiro de Pneumologia e Acta Ortopédica Brasileira . 

O suposto esquema foi descoberto pela empresa Thomson Reuters , maior referência internacional na produção de estatísticas de publicação e citações científicas. Como punição, as quatro revistas tiveram seu fator de impacto suspenso por um ano. A reportagem pode ser lida neste link: http://www.nature.com/news/brazilian-citation-scheme-outed-1.13604 . O texto inclui explicações de alguns dos atores envolvidos e aborda as críticas aos padrões de avaliação da CAPES, bastante frequentes na comunidade científica brasileira, por enfatizar de maneira supostamente exagerada o fator de impacto das revistas. 

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