quarta-feira, 5 de junho de 2013

Ilusões e violência: visões sobre mulheres nas sociedades contemporâneas


Igualdade. Segurança. Reconhecimento. Essas palavras, presentes em nosso repertório recente, deveriam expressar mudanças históricas irrefutáveis, principalmente para grupos sociais marginalizados, desprivilegiados, até mesmo esquecidos. Mulheres, homossexuais, negros, pessoas com deficiência se transformaram em categorias sociais tratadas em políticas públicas, em discursos e estratégias empresariais nas últimas décadas. Isso não significa, contudo, que não continuam vivendo em sociedades desiguais e conflituosas, enfrentando discriminação, exploração e violência.

Veja, por exemplo, a situação das mulheres. Os números apontam para a participação ativa das mulheres no mercado de trabalho e pequeno crescimento do número de trabalhadoras em cargos elevados. Elas possuem hoje nível de escolaridade médio maior que os homens. Desempenham tarefas inesperadas, são chefes de família, estão no comando de empresas e países. Não há como negar que são avanços importantes, que certamente indicam que as mulheres estão efetivamente incluídas na sociedade. Não necessariamente.


Acredito que as mulheres nunca estiveram absolutamente excluídas de nossas sociedades, porém sempre estiveram em posição subalterna. Mesmo agora, identificadas como trabalhadoras e consumidoras de grande potencial, as mulheres ainda ganham os menores salários, lidam com várias jornadas de trabalho, são vítimas de vários tipos de assédio e ainda enfrentam o desafio de alcançar o padrão da “mulher que venceu” ou, pelo menos, melhorar suas condições de vida. Esses desafios fazem parte do cotidiano.


Problemas cotidianos são tratados como coisas menores e encobertos por um verniz de “discursos politicamente corretos”. Mas tais conflitos não são menos importantes. São inclusive, conseqüências de mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, que se acirram em várias formas de competição, disputas e violência. 


Já ouvi milhares de vezes a pergunta sutil que explicita o conflito e enuncia uma (fictícia) demanda: “quem segura essas mulheres?”. Mulheres estão se transformando em alvos a serem abatidos, subjugados e uma das formas históricas de se fazer isso (até porque outros mecanismos políticos, econômicos e sociais se mostram ineficazes) é por meio da violência. 


Isso talvez ajude a compreender a crescente violência contra mulheres no mundo e, particularmente, no Brasil. Um país em tese múltiplo, plural, democrático onde as mulheres correm o risco crescente de serem agredidas, violentadas, assassinadas à luz do dia, em locais públicos. Quando casos como esses acontecem na Índia ou no Afeganistão as pessoas torcem o nariz e chamam de bárbaros todos que vivem lá. E quando isso acontece aqui? Os meios de comunicação apontam um crescimento de 168% no número de casos de estupro no Brasil nos últimos cinco anos. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2011, quatro entre cada dez mulheres brasileiras tinham sido vítimas de violência doméstica. Isso sem falar do grande volume de casos de agressão e estupro que acontecem em casa e que raramente são denunciados. 


Quando observamos esses números e as notícias recentes percebemos que a luta das mulheres para garantir a inclusão por meio do trabalho, da ocupação, da renda, que parecia lhes trazer maiores condições de respeito e dignidade, reduz sim o risco de violência, mas não garante segurança. Muitos podem argumentar que todos estão sujeitos à violência. Mas quantos estão tão vulneráveis a violência sexual quanto as mulheres e, tragicamente, as crianças? 


Os abusos sexuais contra mulheres, que só foram reconhecidos como crimes de guerra na década de 90, são formas de dominar, de subjugar a mulher, de extinguir seus desejos e sua liberdade. De estabelecer que ela não tem qualquer poder ou controle.


Quando repetidos casos de violência sexual ganham destaque, o terror se espalha; corre-se o risco do aumento de manifestações de violência como essas que testam os limites dessa sociedade que, segundo os números e discursos, mudou tanto. É preciso mobilização, é preciso punição para garantir dignidade às mulheres. Mudamos muito, sim. Mas não mudamos o suficiente.

Flávia Naves

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